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sexta-feira, 23 de outubro de 2015

UM HOMEM DE CONSCIÊNCIA

Chamava-se João Teodoro, só. O mais pacato e modesto dos homens. Honestíssimo e lealíssimo, com um defeito apenas: não dar o mínimo valor a si próprio. Para João Teodoro, a coisa de menos importância no mundo era João Teodoro. Nunca fora nada na vida, nem admitia a hipótese de vir a ser alguma coisa. E por muito tempo não quis nem sequer o que todos queriam: mudar-se para terra melhor. Mas João Teodoro acompanhava com aperto de coração o desaparecimento visível de sua Itaoca. – Isto já foi muito melhor, dizia consigo. Já teve três médicos bem bons – agora só um, e bem ruinzote. Já teve seis advogados e hoje mal dá serviço para um rábula ordinário como o Tenório. Nem circo de cavalinhos bate mais por aqui. A gente que presta se muda. Fica o restolho. Decididamente, a minha Itaoca está se acabando… João Teodoro entrou a incubar a ideia de também mudar-se, mas para isso necessitava dum fato qualquer que o convencesse de maneira absoluta de que Itaoca não tinha mesmo conserto ou arranjo possível. – É isso, deliberou lá por dentro. Quando eu verificar que tudo está perdido, que Itaoca não vale mais nada de nada de nada, então eu arrumo a trouxa e boto-me fora daqui. Um dia aconteceu a grande novidade: a nomeação de João Teodoro para delegado. Nosso homem recebeu a notícia como se fosse uma porretada no crânio. Delegado, ele! Ele que não era nada, nunca fora nada, não queria ser nada, não se julgava capaz de nada… Ser delegado numa cidadezinha daquelas é coisa seríssima. Não há cargo mais importante. É o homem que prende os outros, que solta, que manda dar sovas, que vai à capital falar com o governo. Uma coisa colossal ser delegado – e estava ele, João Teodoro, de-le-ga-do de Itaoca! João Teodoro caiu em meditação profunda. Passou a noite em claro, pensando e arrumando as malas. Pela madrugada, botou-as num burro, montou no seu cavalinho magro e partiu. Antes de deixar a cidade, foi visto por um amigo madrugador. – Que é isso, João? Para onde se atira tão cedo, assim de armas e bagagens? – Vou-me embora, respondeu o retirante. Verifiquei que Itaoca chegou mesmo ao fim. – Mas como? Agora que você está delegado? – Justamente por isso. Terra em que João Teodoro chega a delegado, eu não moro. Adeus. E sumiu. -Monteiro Lobato

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

AQUARELA

Aquarela Toquinho Numa folha qualquer eu desenho um sol amarelo
E com cinco ou seis retas é fácil fazer um castelo
Corro o lápis em torno da mão e me dou uma luva
E se faço chover, com dois riscos tenho um guarda-chuva
Se um pinguinho de tinta cai num pedacinho azul do papel
Num instante imagino uma linda gaivota a voar no céu

Vai voando, contornando a imensa curva norte-sul
Vou com ela viajando Havaí, Pequim ou Istambul
Pinto um barco a vela branco navegando
É tanto céu e mar num beijo azul

Entre as nuvens vem surgindo um lindo avião rosa e grená
Tudo em volta colorindo, com suas luzes a piscar
Basta imaginar e ele está partindo, sereno e lindo
E se a gente quiser ele vai pousar

Numa folha qualquer eu desenho um navio de partida
Com alguns bons amigos bebendo de bem com a vida
De uma América a outra consigo passar num segundo
Giro um simples compasso e num círculo eu faço o mundo

Um menino caminha e caminhando chega no muro
E ali logo em frente a esperar pela gente o futuro está
E o futuro é uma astronave que tentamos pilotar
Não tem tempo nem piedade nem tem hora de chegar
Sem pedir licença muda nossa vida
Depois convida a rir ou chorar

Nessa estrada não nos cabe conhecer ou ver o que virá
O fim dela ninguém sabe bem ao certo onde vai dar
Vamos todos numa linda passarela
De uma aquarela que um dia enfim
Descolorirá

Numa folha qualquer eu desenho um sol amarelo
Que descolorirá
E com cinco ou seis retas é fácil fazer um castelo
Que descolorirá
Giro um simples compasso e num círculo eu faço o mundo
Que descolorirá

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

 

   Desvendando as gírias dos adolescentes


    Não é difícil escutar da boca de um adolescente a frase célebre: "ninguém me entende". Existe uma série de fatores que podem explicar o motivo pelo qual o jovem é uma criatura difícil de compreender. Alguns estão diretamente ligados a fatores emocionais e hormonais. Outros são mais literais, e tem a ver com o dialeto da tribo adolescente: as gírias.
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    Escutar uma conversa de adolescentes não é fácil - e dá vontade de apertar a tecla SAP para traduzir o papo. Thalita Rebouças parece ter apertado a tecla. Jornalista e autora de vários livros que falam a língua dos adolescentes, ela explica o motivo pelo qual os jovens falam gírias. "É para ter um código próprio, uma linguagem diferente daquela que os adultos usam". Assim, o internauta tem seu vocabulário, assim como o rapper, o skatista ou o surfista têm o seu. Os jovens, no meio disso tudo, também tem o deles.
        Como os adolescentes costumam se juntar em grupos de amigos que têm gostos parecidos, também criam um vocabulário próprio, que aproxima os pares e facilita essa etapa tão importante no desenvolvimento social. Mas de onde surgem as gírias? Nem mesmo Thalita, conhecida como a queridinha dos adolescentes, tem uma resposta para essa pergunta. "Aí você me pegou. Acho que podem surgir de um filme, de uma novela ou mesmo de um adolescente mais criativo".
Outro fator que contribui para a proliferação do vocabulário restrito dos jovens é a Internet. Os sites de relacionamento e a comunicação em tempo real contribuem para que as gírias se espalhem e tomem proporções que vão além das telas do computador, caindo na boca da molecada.
Do mesmo jeito que nascem, as gírias também podem se esgotar e cair no esquecimento. Mesmo sem critério que determine qual gíria vai se eternizar e qual será esquecida, é fato que elas sempre se renovam. "A necessidade de criar novas gírias é a mesma de usar uma roupa diferente, que nenhuma outra tribo usa", explica Thalita.
As gírias mais pronunciadas, na opinião da escritora, são relacionadas ao primeiro beijo. As letras "BV" querem dizer "Boca Verde (ou Virgem)" e BVL, "Boca Virgem de Língua". Mas, não se espante se um adolescente te chamar de careta ou falar que "BV" e "BVL" não estão com nada. Afinal, as gírias mudam o tempo todo. Tá ligada?

                                                                                       CINTHYA DÁVILA

Divulgação Ed Rocco

quinta-feira, 20 de agosto de 2015

A Linha e o Linho
Gilberto Gil


É a sua vida que eu quero bordar na minha
Como se eu fosse o pano e você fosse a linha
E a agulha do real nas mãos da fantasia
Fosse bordando ponto a ponto nosso dia-a-dia
E fosse aparecendo aos poucos nosso amor
Os nossos sentimentos loucos, nosso amor
O zig-zag do tormento, as cores da alegria
A curva generosa da compreensão
Formando a pétala da rosa, da paixão
A sua vida o meu caminho, nosso amor
Você a linha e eu o linho, nosso amor
Nossa colcha de cama, nossa toalha de mesa
Reproduzidos no bordado
A casa, a estrada, a correnteza
O sol, a ave, a árvore, o ninho da beleza

Bolinhos de Luz

250 g de raio de sol
250 g de raios de luar
1 xícara de chá de fermento de relâmpago
Maneira de fazer:
Misturam-se bem os raios de sol e de luar, até saírem faíscas.
Junta-se então o fermento de relâmpago.
− Que fácil! − pensou Clara Luz. − Não sei como certas pessoas podem achar difícil fazer bolo!
E foi tirando os raios de sol e de luar dos potes onde estavam guardados, nas prateleiras. Despejou tudo num tacho e mexeu, como a receita mandava. A cozinha inteira começou a brilhar, faiscar e fazer barulho.
Quando chegou a hora do fermento, Clara Luz teve uma ideia:
− Fermento é que faz o bolo crescer. Se em vez de uma colher de chá, eu puser um relâmpago inteiro, vai sair um bolão enorme. Mamãe amanhã nem vai precisar fazer o bolo das velas.
É claro que não havia relâmpago inteiro em casa. Clara Luz não se atrapalhou:
− O jeito é eu ir para a janela e pescar o primeiro que passar.
Mas não foi fácil. Nenhum relâmpago concordava em entrar no bolo:
− Eu não, ora essa! Tenho mais o que fazer!
Afinal passou uma família inteira de relâmpagos: pai, mãe e cinco filhos. Ninguém deu confiança à Clara Luz mas, o menor de todos, um relampagozinho muito esperto ia ao fim da fila.
− Pssiu! − chamou Clara Luz. − Você quer entrar no meu bolo?
− Eu não, que não sou bobo. Pensa que quero ser comido em festa de aniversário?
− Clara Luz pensou um pouco:
− Você entra e depois sai. É só para fazer o bolo crescer.
O relampagozinho começou a gostar da ideia:
− Puxa! Deve ser divertido mesmo…
E aí a confusão ficou do tamanho certo!                                                                                                                               Fernanda Lopes da Silva

quinta-feira, 4 de junho de 2015

A VACA NO TELHADO


ERA UMA VEZ UMA VACA
MUITO GORDA QUE PASTAVA
A GRAMA VERDE DE UM MORRO
E QUE SEMPRE RUMINAVA.

NA ENCOSTA DO TAL MORRO
TINHA UMA CASA ENCOSTADA,
DE TELHADO BEM VERMELHO
E DE PAREDE PINTADA.

A CHUVA VEIO FININHA
E VIROU UMA CHUVARADA.
MOLHOU A TERRA DO MORRO
E FORMOU UMA ENXURRADA.

A VACA FOI ESCORREGANDO,
PATINANDO, APAVORADA,
E ASSIM DESCEU O MORRO:
QUE BAILARINA AZARADA!

FOI PARAR LÁ NO TELHADO,
QUAL BALEIA ENCALHADA,
MUGINDO DE FAZER DÓ:
ETA VACA DESASTRADA!

A RITA, DENTRO DA CASA,
ESTAVA BEBENDO ÁGUA;
LEVOU UM SUSTO TÃO GRANDE
QUE FICOU ATÉ ENGASGADA.

GISELDA LAPORTA NICOLELIS

sábado, 30 de maio de 2015

http://triplov.com/contos/dom_casmurro/machado_de_assis.jpg
Adicionar legenda
Machado de Assis
DOM CASMURRO
http://triplov.com/triplov_novo/pics/barra_menu.gif
CAPÍTULO XXXIII / O PENTEADO
http://triplov.com/triplov_novo/pics/barra_menu.gif
E Capitu deu-me as costas, voltando-se para o espelhando. Peguei-lhe dos cabelos, colhi-os todos e entrei a alisá-los com o pente, desde a testa até as últimas pontas, que lhe desciam à cintura. Em pé não dava jeito: não esquecestes que ela era um nadinha mais alta que eu, mas ainda que fosse da mesma altura. Pedi-lhe que se sentasse.
--Senta aqui, é melhor.
Sentou-se. "Vamos ver o grande cabeleireiro", disse-me rindo. Continuei a alisar os cabelos, com muito cuidado, e dividi-os em duas porções iguais, para compor as duas tranças. Não as fiz logo, nem assim depressa, como podem supor os cabeleireiros de ofício, mas devagar, devagarinho, saboreando pelo tacto aqueles fios grossos, que eram parte dela. O trabalho era atrapalhado, às vezes por desazo, outras de propósito para desfazer o feito e refazê-lo. Os dedos roçavam na nuca da pequena ou nas espáduas vestidas de chita, e a sensação era um deleite. Mas, enfim, os cabelos iam acabando, por mais que eu os quisesse intermináveis. Não pedi ao céu que eles fossem tão longos como os da Aurora, porque não conhecia ainda esta divindade que os velhos poetas me apresentaram depois; mas, desejei penteá-los por todos os séculos dos séculos, tecer duas tranças que pudessem envolver o infinito por um número inominável de vezes. Se isto vos parecer enfático, desgraçado leitor, é que nunca penteastes uma pequena, nunca pusestes as mãos adolescentes na jovem cabeça de uma ninfa... Uma ninfa! Todo eu estou mitológico. Ainda há pouco, falando dos seus olhos de ressaca, cheguei a escrever Tétis; risquei Tétis, risquemos ninfa, digamos somente uma criatura amada, palavra que envolve todas as potências cristãs e pagãs. Enfim acabei as duas tranças. Onde estava a fita para atar-lhes as pontas Em cima da mesa, um triste pedaço de fita enxovalhada. Juntei as pontas das tranças, uni-as por um laço, retoquei a obra, alargando aqui, achatando ali, até que exclamei:
--Pronto!
--Estará bom?
--Veja no espelho.
Em vez de ir ao espelho, que pensais que fez Capitu? Não vos esqueçais que estava sentada, de costas para mim. Capitu derreou a cabeça, a tal ponto que me foi preciso acudir com as mãos e ampará-la; o espaldar da cadeira era baixo. Inclinei-me depois sobre ela rosto a rosto, mas trocados, os olhos de uma na linha da boca do outro. Pedi-lhe que levantasse a cabeça, podia ficar tonta, machucar o pescoço. Cheguei a dizer-lhe que estava feia; mas nem esta razão a moveu.
--Levanta, Capitu!
Não quis, não levantou a cabeça, e ficamos assim a olhar um para o outro, até que ela abrochou os lábios, eu desci os meus, e...
Grande foi a sensação do beijo; Capitu ergueu-se, rápida, eu recuei até à parede com uma espécie de vertigem, sem fala, os olhos escuros. Quando eles me clarearam vi que Capitu tinha os seus no chão. Não me atrevi a dizer nada; ainda que quisesse, faltava-me língua. Preso. atordoado, não achava gesto nem ímpeto que me descolasse da parede e me atirasse a ela com mil palavras cálidas e mimosas... 
                          A pipa Pepita
    Zezito era o dono de Pepita, uma pipa verde
e rosa, de carinha graciosa.
    Zezito preparou Pepita para concorrer no
grande campeonato de pipas. 
     Fitas coloridas  saíam de suas pontas.
    O dia amanheceu. O Sol estava forte e o
céu azul. De toda parte chegava gente grande,
gente pequena, com suas pipas de todos os
jeitos. Tinha pipa-estrela, pipa-bicho, pipas de
todos os jeitos.
    Um apito deu o sinal e as pipas voaram no
céu. Ele ficou colorido, como um dia de carnaval.
Pepita foi subindo...
    Passou por várias nuvens e deixou as
outras pipas para trás. Lá no alto, Pepita gritou:
    — Até um dia, Zezito! Vou fazer um grande
vôo.
    Se você olhar para o céu nas noites
estreladas, verá Pepita, com seus cabelos de fita.
GOES, Lúcia Pimentel. A pipa Pepita. São Paulo: Scipione, 1988.