Wikipedia

Resultados da pesquisa

terça-feira, 25 de junho de 2013

A Morcega - Walcyr Carrasco



       
Professor: selecione alguns alunos para realizar a leitura em voz alta da crônica “ A morcega” de Walcyr Carrasco.  
A MORCEGA
 Walcyr Carrasco             
     Quando era adolescente, eu andava com a franja do cabelo ba­tendo no nariz. Parecia um cachorro lulu, mas me acha­va o máximo. Meu pai resistiu a tudo: ao som de Janis Joplin, à minha mania de desenhar girassóis nos cadernos, e só entregou os pontos quando me viu desbotando um jeans novinho com cândida. Em nocaute por pontos, suspirou:             
     - Nada mais me espanta.             
      Reagi dedicando boa parte da minha vida a defender lances de vanguarda, como o uso de brinquinhos em orelhas masculinas quando isso era tabu. Sempre achei que nada me surpreenderia. Pois fui visitar uma amiga cuja filha adolescente, de 14 anos, tem o rosto de um anjo de catedral, mas se veste de preto, como um morcego. Encontro as duas brigando.             
     - Quero fazer uma tatuagem e ela não deixa.             
      Sorrio, pacificador. Aconselho:             
     - O ruim da tatuagem é que, se você se arrepender mais tarde, não sai.            
      A morcega explica: será inscrita em um lugar do corpo só possível de ser visto se ela mostrar. Tremo. Pergunto onde. A resposta alegre:             
     - Dentro da boca.             
      Repuxa os lábios como um botocudo e mostra o sítio designado: a parte frontal das gengivas. A mãe lacrimeja:          
    -Não, não. A bandeira do Brasil...             
     Eu e a mãe nos olhamos aparvalhados. Descubro que o símbolo pátrio virou moda. A morcega continua: quer porque quer ir a uma rua que reúne morcegos, mariposas e outros bichos nos fins de semana. Arbitro:             
    - Lá vão punks da pesada!             
      Ela zumbe, hostil, porque se considera punk da pesada. Reage:             
      - O movimento punk quer liberdade, só isso.             
      - Prendi você? - lamenta-se a mãe inutilmente.             
      Fico sabendo que os punks de bom-tom até andam, na tal rua, com cartazes dizendo: "Não quero briga" ou "Sou paz". Também elegeram um templo: a danceteria Morcegóvia, no bairro Bela Vista. É lá que se encontram vestidos preferencialmente de escuro, com bijuterias de metal pesado, brinquinhos de crucifixo e uma enorme alegria de viver - só preenchida pelo som de rock pauleira. Digo, para me fazer de moderno:        
     - Sabe que fui ao show do Michael Jackson?        
       Ela torce o nariz. Odeia. Led Zeppelin, Sepultura, isso sim! Arrisco:        
      - Quem sabe você fica rica montando um conjunto chamado Crematório.        
       - Vocês (nós, adultos) só pensam em coisas materiais. A gente (eles, os punks) quer é saber do espírito.        
        Já ouvi isso em algum lugar. Eu dizia a mesma coisa e ficava furioso quando ouvia meus pais dize­rem que, quando eu fosse mais velho, entenderia tudo que estavam passando comigo. Explico que concordo com as teses morcegas. Tenho apenas problemas em relação ao estilo. Olho para ela, de camiseta preta e jeans rasgado, e penso como ficaria bonitinha num vestido de debutante. Lembro de sua festa de aniversário: o bolo era em forma de guitarra, cinza. Em certo momento, a turma se divertiu atirando pedaços de doces uns nos outros, para horror das mães e avós presentes.        
       Subitamente desperto, descubro que a onda punk se espraia muito mais do que eu pensava. Um dia desses vi um garoto pintado de três cores. O filho de uma vizinha usa dois brincos doura­dos, um rubi no nariz e cabelos tão cacheados que noutro dia o cumprimentei pensando que fosse a mãe dele.        
       A morcega me encara, pestanas rebaixadas, far­ta. Nervoso, reflito que devo estar ficando velho. Adoraria estar do lado da filha, para me sentir re­juvenescido. Toca a campainha, ela vai até a por­ta. Um rapaz alto, de cabeça inteiramente raspa­da, sorri, rebelde. Observo um dragão tatuado em seu couro cabeludo. A mãe range os dentes, enquan­to a filha sai nos braços de seu príncipe motoqueiro. Eu e a mãe nos olhamos, tão nocauteados como foi meu pai. Sei que o rapaz trabalha, como a maioria dos punks. Mas onde? Não consigo imaginar o gerente do banco com um alfinete espetado nas bochechas. São rebeldes apenas nas horas vagas, quan­do voam em seus trajes escuros pela noite? O careca bota peruca na hora da labuta?            
      A mãe me oferece um café. Exausta com o rodopiar das gerações. Já sabemos: vem mais por aí. Olho para a noite e penso em todos os morcegos zunindo por São Paulo. Ser adolescente é difícil, mas ... que saudade!
 (Walcyr Carrasco. O golpe do aniversariante e outras crônicas. São Paulo: Ática, 1996. Para gostar de ler)    
Professor: após a leitura, solucione as dúvidas de vocabulário que possam ser levantadas e proponha as seguintes questões que devem ser respondidas primeiramente por escrito.
1.      O narrador do texto deixa transparecer durante a narrativa sua opinião.  Explique com suas palavras, como o narrador era na sua adolescência?
2.      Porque a adolescente é chamada de morcega?
3.      Você conhece alguém que se vista e aja como a adolescente da história narrada? Exemplifique.
4.      Quais são as ideias morcegas apresentadas pela adolescente com as quais o narrador concorda?
5.      Quais as semelhanças entre a adolescência da morcega e do narrador do texto?
6.      Você, de alguma maneira, se identificou com a morcega? Explique.   
Avaliação
Professor: a avaliação deve ser realizada durante as atividades: compreensão e análise dos textos; reflexão sobre o assunto discutido; elaboração de argumentos convincentes a cerca das polêmicas levantadas.