Professor:
selecione alguns alunos para realizar a leitura em voz alta da crônica “ A
morcega” de Walcyr Carrasco.
A MORCEGA
Walcyr Carrasco
Quando
era adolescente, eu andava com a franja do cabelo batendo no nariz. Parecia um
cachorro lulu, mas me achava o máximo. Meu pai resistiu a tudo: ao som de
Janis Joplin, à minha mania de desenhar girassóis nos cadernos, e só entregou
os pontos quando me viu desbotando um jeans novinho com cândida. Em nocaute por
pontos, suspirou:
-
Nada mais me espanta.
Reagi
dedicando boa parte da minha vida a defender lances de vanguarda, como o uso de
brinquinhos em orelhas masculinas quando isso era tabu. Sempre achei que nada
me surpreenderia. Pois fui visitar uma amiga cuja filha adolescente, de 14
anos, tem o rosto de um anjo de catedral, mas se veste de preto, como um
morcego. Encontro as duas brigando.
-
Quero fazer uma tatuagem e ela não deixa.
Sorrio,
pacificador. Aconselho:
-
O ruim da tatuagem é que, se você se arrepender mais tarde, não sai.
A
morcega explica: será inscrita em um lugar do corpo só possível de ser visto se
ela mostrar. Tremo. Pergunto onde. A resposta alegre:
-
Dentro da boca.
Repuxa
os lábios como um botocudo e mostra o sítio designado: a parte frontal das
gengivas. A mãe lacrimeja:
-Não,
não. A bandeira do Brasil...
Eu
e a mãe nos olhamos aparvalhados. Descubro que o símbolo pátrio virou moda. A
morcega continua: quer porque quer ir a uma rua que reúne morcegos, mariposas e
outros bichos nos fins de semana. Arbitro:
-
Lá vão punks da pesada!
Ela
zumbe, hostil, porque se considera punk da pesada. Reage:
-
O movimento punk quer liberdade, só isso.
-
Prendi você? - lamenta-se a mãe inutilmente.
Fico
sabendo que os punks de bom-tom até andam, na tal rua, com cartazes dizendo:
"Não quero briga" ou "Sou paz". Também elegeram um templo:
a danceteria Morcegóvia, no bairro Bela Vista. É lá que se encontram vestidos
preferencialmente de escuro, com bijuterias de metal pesado, brinquinhos de
crucifixo e uma enorme alegria de viver - só preenchida pelo som de rock
pauleira. Digo, para me fazer de moderno:
-
Sabe que fui ao show do Michael Jackson?
Ela
torce o nariz. Odeia. Led Zeppelin, Sepultura, isso sim! Arrisco:
-
Quem sabe você fica rica montando um conjunto chamado Crematório.
-
Vocês (nós, adultos) só pensam em coisas materiais. A gente (eles, os punks)
quer é saber do espírito.
Já
ouvi isso em algum lugar. Eu dizia a mesma coisa e ficava furioso quando ouvia
meus pais dizerem que, quando eu fosse mais velho, entenderia tudo que estavam
passando comigo. Explico que concordo com as teses morcegas. Tenho apenas
problemas em relação ao estilo. Olho para ela, de camiseta preta e jeans
rasgado, e penso como ficaria bonitinha num vestido de debutante. Lembro de sua
festa de aniversário: o bolo era em forma de guitarra, cinza. Em certo momento,
a turma se divertiu atirando pedaços de doces uns nos outros, para horror das
mães e avós presentes.
Subitamente
desperto, descubro que a onda punk se espraia muito mais do que eu pensava. Um
dia desses vi um garoto pintado de três cores. O filho de uma vizinha usa dois
brincos dourados, um rubi no nariz e cabelos tão cacheados que noutro dia o
cumprimentei pensando que fosse a mãe dele.
A
morcega me encara, pestanas rebaixadas, farta. Nervoso, reflito que devo estar
ficando velho. Adoraria estar do lado da filha, para me sentir rejuvenescido.
Toca a campainha, ela vai até a porta. Um rapaz alto, de cabeça inteiramente
raspada, sorri, rebelde. Observo um dragão tatuado em seu couro cabeludo. A
mãe range os dentes, enquanto a filha sai nos braços de seu príncipe
motoqueiro. Eu e a mãe nos olhamos, tão nocauteados como foi meu pai. Sei que o
rapaz trabalha, como a maioria dos punks. Mas onde? Não consigo imaginar o
gerente do banco com um alfinete espetado nas bochechas. São rebeldes apenas
nas horas vagas, quando voam em seus trajes escuros pela noite? O careca bota
peruca na hora da labuta?
A
mãe me oferece um café. Exausta com o rodopiar das gerações. Já sabemos: vem
mais por aí. Olho para a noite e penso em todos os morcegos zunindo por São
Paulo. Ser adolescente é difícil, mas ... que saudade!
(Walcyr Carrasco. O golpe do aniversariante e
outras crônicas. São Paulo: Ática, 1996. Para gostar de ler)
Professor:
após a leitura, solucione as dúvidas de vocabulário que possam ser levantadas e
proponha as seguintes questões que devem ser respondidas primeiramente por
escrito.
1. O
narrador do texto deixa transparecer durante a narrativa sua
opinião. Explique com suas palavras, como o narrador era na sua
adolescência?
2. Porque
a adolescente é chamada de morcega?
3. Você
conhece alguém que se vista e aja como a adolescente da história narrada?
Exemplifique.
4. Quais
são as ideias morcegas apresentadas pela adolescente com as quais o narrador
concorda?
5. Quais
as semelhanças entre a adolescência da morcega e do narrador do texto?
6. Você,
de alguma maneira, se identificou com a morcega? Explique.
Avaliação
Professor:
a avaliação deve ser realizada durante as atividades: compreensão e análise dos
textos; reflexão sobre o assunto discutido; elaboração de argumentos
convincentes a cerca das polêmicas levantadas.